Hoje é 23 de dezembro de
2020. Na última sexta-feira dia 18, judeus de todo o mundo concluíram o
Hanukkah, a festa das luzes. Nessa quinta-feira dia 24, bilhões de cristãos
celebrarão o nascimento de Jesus. Na próxima segunda-feira dia 28,
religiões neopagãs (mesmo as que não se aceitam como “neo”) começam a
celebração de Yule no Hemisfério Norte. No Irã, a despeito da predominância
do Islã, o Shab-e Yalda ainda homenageia o nascimento de Mitra. Na China,
oficialmente ateia, o Dong Zhi continua a congregar celebrantes. E lista
segue.
Como é possível que
povos tão diferentes tenham celebrações de significados semelhantes no
mesmo período do ano? A resposta está no que hoje chamamos de Astronomia. O
solstício de Inverno, que acontece no dia 21 no Hemisfério Norte, enquanto
aqui encaramos o solstício de Verão e o calor infernal que vem com ele.
Mas, afinal de contas, o
que é o solstício de Inverno? Em seu movimento de translação, a volta
completa em torno do Sol, a Terra não fica parada. Ela se inclina
alternadamente, e daí vêm as estações do ano. O solstício de inverno é
quando determinado polo está mais distante do Sol. É a noite mais longa do
ano. Em certas partes, é uma noite que dura meses.
Agora, esqueça por um
instante os confortos da vida modera e imagine nossos ancestrais há,
digamos, 50 mil anos. Vivendo em cavernas ou choupanas, dependiam do meio
ambiente para sobreviver. Periodicamente, a caça escasseava, os animais
migravam ou se recolhiam para hibernar; a neve cobria a terra e parecia
matar a natureza. As noites se tornavam mais longas — e, não podemos
esquecer, a noite é escura e cheia de horrores. Com o advento da
agricultura, as estações se tornaram ainda mais importantes. Monumentos
astronômicos megalíticos como Stonehenge, na Inglaterra, marcavam a data, e
celebrações pediam a volta do sol e da vida. Era a religião da natureza.
No best seller Sapiens
– Uma Breve História da Humanidade, Yuval Noah Harari nos lembra que “a religião pode
ser definida como um sistema de normas e valores humanos que se baseia na
crença em uma ordem sobre-humana”. A ordem sobre-humana são os ciclos da
natureza, mas os valores humanos mudam conforme as civilizações se
desenvolvem. Explicações mais complexas vão sendo criadas para esses
ciclos. Para os gregos, o Inverno era a punição de Deméter pela filha Core
se tornar Perséfone e viver no mundo inferior com o tio-marido Hades. Só
quando esta lhe era devolvida por seis meses a deusa permitia ao mundo florescer.
À medida que as
sociedades se urbanizavam, as raízes naturais de suas religiões iam se
perdendo, suas datas sagradas e festividades eram ressignificadas, mantendo
o simbolismo familiar aos fiéis, mas incorporando os panteões e a ideologia
vigentes. Em Roma, uma civilização recente sem passado neolítico ou
mitológico, o solstício se tornou a Saturnália, uma festa com influências tanto sobre o
Natal quando o Carnaval como os conhecemos hoje.
Como a noite mais longa
do ano marca, por conseguinte, o retorno da luz, o solstício de Inverno
passou a ser associado ao nascimento de deuses solares, dos quais um merece
destaque: Mitra. Originário da Índia, seu culto chegou ao Oriente Médio no
segundo milênio a.C. e acabou incorporado ao mazdaísmo, a religião
monoteísta persa da qual deriva boa parte da cosmogonia cristã.
Paradoxalmente, Mitra foi adotado pelos militares romanos, inimigos dos
persas. A partir do século I a.C., seu mito se associou ao do deus-sol
Hélio e ao solstício de Inverno. Mitra nasce do choque de um raio com uma
rocha no dia 25 de dezembro, mesma data em que os romanos comemoravam o Sol
Invictus, o Sol Invencível.
E, como a data indica,
chegamos ao rabi Yoshua ben Yosef, que, por má tradução dos gregos,
chamamos de Jesus. No livro O Primeiro Natal, os teólogos norte-americanos
Marcus J. Borg e John Dominic Crossan analisam detalhadamente as versões da
Natividade presente nos Evangelhos de Lucas e Mateus. Além de demonstrarem
que as narrativas são radicalmente diferentes entre si, eles constatam que
não há qualquer menção à data de nascimento de Jesus. Os autores não têm
dúvidas de que os evangelistas usaram, para narrar a Natividade, o mesmo
recurso dos sermões de Jesus. Parábolas. A presença de pastores e seus
rebanhos nos campos indica, com certeza, que não era Inverno.
Então de onde
veio o 25 de dezembro?
Clemente de Alexandria
(150-215), um dos primeiros apologistas cristãos a tratar do nascimento de
Jesus, não menciona essa data em especial – para ele, 20 de maio seria o
dia mais provável. Somente nos séculos IV e V, conforme o cristianismo se
torna a religião oficial do Império, a data se consolida. Apologistas como
Agostinho tentavam negar que fosse simples apropriação do Sol Invictus,
alegando que o nascimento correspondia a nove meses após a concepção de Jesus – embora
esta também não tenha uma data estabelecida nos Evangelhos. Muitas
comunidades cristãs até hoje celebram a Natividade no dia 6 de janeiro, o
Dia de Reis dos católicos.
Conforme a conversão ao
cristianismo se espalhava pela Europa, mais e mais elementos pagãos do
solstício eram incorporados à narrativa e, principalmente, aos símbolos do
Natal cristão. O que nos traz a mais uma celebração, o Yule ou Jól, a
festividade do solstício de Inverno entre os povos germânicos. Alguém já
viu um pinheiro na Galileia? Um azevinho? Não. Essas árvores, que não
perdem as folhas mesmo no auge do inverno europeu, eram símbolos da
renovação nas religiões pagãs europeias. No Velho Mundo e mesmo nos
ultracristãos Estados Unidos, as pessoas se referem ao fogo aceso em
lareiras no fim do ano como a “tora de Yule”.
Oito dias de
luzes
Um festival peculiar em
torno do solstício é o Hanukkah judeu, a festa das luzes. Entre outras, por
ser recente em termos históricos. Segundo a tradição judaica, após liderar
uma revolta vitoriosa contra o rei da Síria em 164 a.C., Judas Macabeu
retornou a Jerusalém para “limpar” o templo profanado. Embora só houvesse
óleo para manter a menorá (o candelabro sagrado) acesa por um dia, a chama
brilhou por oito noites. A revolta é um fato histórico, mas o milagre em si
se tornou uma tradição ao longo da diáspora, possivelmente assimilando
elementos de festividades do solstício.
O nome é Nicolau,
mas Odin também vale
Mas não foi só na “parte
séria” das festividades que o sincretismo do solstício se instalou. A
inspiração de São Nicolau, generoso protetor das crianças, para o Papai
Noel é conhecida. Mas de onde vêm as renas voadoras e o trenó, por exemplo?
Nascido em Bari, na Itália, e morto Mira, hoje Turquia, é pouco provável
que o santo tenha visto um desses animais, mesmo do tipo comum, ao longo de
seus 73 anos de vida. Acontece que Nicolau não é a única fonte do Bom
Velhinho. Tradições do Norte da Europa diziam que, no Yule, Odin cavalgava
pelos céus em seu cavalo de oito patas. Crianças deixavam suas botas do
lado de fora das casas com cenouras para o animal, ao que o deus retribuía
com moedas.
No fim das contas, pouco
importa, a não ser para fanáticos, que essas narrativas sejam literais. O
fato é que a noite mais escura ficará para trás. Que, dentro de suas
crenças, cada um celebrará a esperança na luz. Já é algo a comemorar. (Fonte:
Portal Meio - Leonardo Pimentel)
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